Mudanças climáticas, as lições da pandemia
As lições da emergência de saúde podem ser muito úteis para enfrentar o que continua sendo o maior desafio do nosso tempo.
Juan E. Notaro
Presidente Executivo do FONPLATA
Até o advento da pandemia da COVID-19 no início deste ano, um dos maiores desafios para a humanidade era implementar o Acordo de Paris, compromisso de 195 países para evitar que a temperatura do planeta subisse mais de 2°C até 2030.
O documento alerta para as consequências do aumento das temperaturas: perda de culturas, fome, secas prolongadas e outros eventos climáticos cada vez mais intensos e frequentes.
O Acordo de Paris também faz parte de outro grande compromisso global: os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), negociados por consenso para promover o desenvolvimento econômico, protegendo ao mesmo tempo a saúde do planeta.
Muitos referem-se ao cuidado com o meio ambiente: o ODS 6 se refere a água potável e saneamento, o 7 a energia limpa, o 14 a vida na água e o 15 a vida terrestre, e o ODS 13 refere-se especificamente à ação contra a mudança global do clima.
O advento da pandemia não só desacelerou muitos dos esforços que vinham sendo feitos nessa direção, mas também destacou, e ameaça aprofundar, as iniquidades agudas na distribuição da riqueza e no acesso à educação ou à saúde.
Mas a pandemia também nos ensinou que há situações, como a mudança do clima e o estado do meio ambiente em geral, que ameaçam a todos nós. E que as medidas que venham a ser tomadas para enfrentá-las terão consequências no longo prazo.
Acima de tudo, ela nos ensinou que não adianta buscar soluções isoladas ou para um determinado grupo ou país, mas que o mais eficaz é lidar com esses problemas com pensamento verdadeiramente global.
Essa consciência, essas lições duras que a pandemia está nos deixando são as mesmas que devemos levar em conta no avanço da implementação do Acordo de Paris e dos ODS referentes ao clima, assim como em todos os outros.
A situação da mudança do clima na América Latina é paradoxal, porque ela contribui com apenas 9% das emissões totais de gases de efeito estufa, mas é frequentemente atingida por eventos climáticos.
No ano passado, tivemos os incêndios florestais no Brasil e na Bolívia, com seus efeitos devastadores. Também testemunhamos inundações severas no norte da Argentina e em algumas regiões agrícolas do Uruguai.
No entanto, também somos uma das regiões que mais contribui para soluções inovadoras para a proteção ambiental.
No caso do Uruguai, 100% de sua energia é renovável, com 60% de energia hidrelétrica, 25% eólica e o restante de energia solar.
Na Argentina, 50% da energia é proveniente de hidrelétricas, enquanto no Brasil, a energia renovável à base de etanol cobre mais de 50% do mercado.
Por outro lado, dados oficiais do Paraguai indicam que 57% de sua energia é hidrelétrica e mais de 20% é biomassa. O restante são energias convencionais que podem ser substituídas por energias eólica e solar.
Além disso, os bancos de desenvolvimento da região, incluindo o FONPLATA, incorporaram componentes de mitigação e adaptação dos efeitos das mudanças climáticas em seus projetos.
Outra área prioritária nessa frente são as cidades. A porcentagem da população que vive em áreas urbanas na Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai aumentou, em média, de 47,7% para 86,1%, entre 1950 e 2019, e a previsão para 2030 é de que aumente para quase 90%.
A pandemia também nos ensinou que proteger os mais vulneráveis, melhorar o transporte público nas áreas mais isoladas e fortalecer os serviços de saúde é prioridade nas cidades. Essas mesmas medidas nos permitem enfrentar as mudanças climáticas.
Mesmo que ainda estejamos no meio da pandemia e muito esforço seja necessário para superar a emergência sanitária, este não é o momento de perder de vista esses compromissos globais para proteger o planeta.
Só assim podemos construir entre todos um mundo em que possamos resolver os problemas do presente, incluindo a pandemia, sem comprometer o futuro. Esse é o nosso esforço e é nisso que estamos trabalhando.
Texto publicado originalmente na coluna mensal de Juan E. Notaro no Huffington Post.
09/07/2020